sábado, janeiro 16, 2010

Um ateu e o cardeal

O que se pode esperar de um encontro entre um cristão e um ateu? E quando esse cristão é o representante máximo da Igreja Católica, Joseph Ratzinger? Em 2000, o então cardeal e hoje papa Bento 16 participou de um debate acalorado com o filósofo ateu Paolo d'Arcais em torno da provocadora questão:

A tentativa de dar um sentido claro e novo ao cristianismo no meio da crise da humanidade está no centro dessa discussão, que aborda desde temas polêmicos, como o aborto, até a fronteira, cada vez menos nítida, entre fé e razão. Um confronto de opiniões que ajudará todas as pessoas que já se perguntaram e, muitas vezes, não encontraram respostas que sustentassem verdadeiramente sua própria credulidade ou religiosidade.
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Pode-se discordar muito de Bento 16 – e mesmo detestá-lo. Mas é, sem dúvida, um ótimo papa do ponto de vista intelectual. Mesmo suas encíclicas não padecem demais daquela linguagem cifrada, coberta do gesso das referências canônicas, que é mais ou menos obrigatória em documentos do gênero. Sem dúvida, parte significativa de suas mensagens se dirige a quem não é religioso, em especial aos intelectuais leigos, de forma sofisticada e ao mesmo tempo compreensível, mesmo nos pontos em que a lógica não me parece convincente. Informações de Marcelo Coelho (Folha Online)

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Vejamos algumas passagens do livro:

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Por Paolo Flores d’Arcais

...em muitas sociedades primitivas – também eles eram homens! — o canibalismo ritual era considerado um dever ético-religioso... De modo que, se por natureza entendermos o que normalmente se entende, ou seja, todos os que pertencem à espécie Homo sapiens, com certeza não existe nem uma única norma que tenha sido compartilhada sempre por todos os homens.

(...) Se nós estabelecermos a priori que uma parte da humanidade era contra natura e a outra parte – que coincidência, aquela que compartilha nossas normas --, essa era a verdadeira humanidade, é evidente que realizaremos uma operação que todo mundo pode fazer, com seus valores, mas cuja conseqüência é dizer que quem não compartilhou ou compartilha desses valores, não só peca, como também está fora da humanidade: essa é a conseqüência lógica.

(...) Pois bem, e se aqui, presentes [neste teatro], houver pessoas que consideram que – por mais doloroso que seja, e, evidentemente, sem que deva ser utilizado como método contraceptivo qualquer – o aborto não é, porém, um delito? Serão, por isso, pessoas irracionais, anti-humanas?

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Por Joseph Ratzinger

Há coisas sobre as quais uma maioria não pode decidir, porque estão em jogo valores que não estão à disposição de maiorias variáveis; há coisas em que acaba o direito de decidir da maioria, porque se trata do humanismo, do respeito do ser humano como tal.

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Não estou de acordo com o argumento “histórico”, que diz que para todos os valores existe, na história, também uma posição contrária (...) esse fato estatístico demonstra o problema da história humana e da falibilidade humana.

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