terça-feira, março 01, 2011

Destruíram a camada de ozônio da alegria

por Vinicius Factum (*)
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Backstage, Salão de beleza, Cyber Café, Sala de Massagens, Boite, Cinema, Hospitality Center, Praça com Jardim Oriental, Lounge, Heliporto... Não é nenhum Shopping Center e nem propaganda de condomínio fechado da classe alta. É o que oferece um dos camarotes daqui de Salvador para quem se habilita a investir para “curtir” a folia e pagar o preço para parecer uma pessoa com uma imagem diferenciada.
Dá status ser de tal camarote, ter uma camisa ou crachá de acesso ao seu interior. O objetivo é ser VIP (pessoa muito importante), pelo menos parecer. Ser celebridade ou estar ao lado de alguma. Compra-se esse direito que não é adquirido.
A mídia incentiva e faz a cobertura desses espaços, dando a impressão de ser uma festa democrática, já que registra os foliões espremidos, pulando no asfalto, como se fosse uma opção estar ali confinado ao seu metro quadrado. É o que lhe pertence, de fato.
É dessa forma que o carnaval da Bahia se apresenta. É nisso que transformaram-no. Um carnaval para privilegiados, para quem tem poder aquisitivo. Uma festa que era popular, onde pobres e ricos se encontravam para brincar descontraidamente e celebrar com música, dança, bebida e muita paixão as suas diferenças. Cadê a essência da festa e todo o seu perfume natural?!
Destruíram a camada de ozônio da alegria. O inesperado, a descontração, o inusitado e o despojamento deram lugar a mercantilização.
Usaram a desculpa da violência para construir guetos nas avenidas da folia. Abortaram o que surgiu de forma espontânea e desprovida de interesses comerciais. Impuseram limites para o folião simples, do povo, que hoje é tratado de forma pejorativa com o nome de “pipoca”. “Eu sou o carnaval em cada esquina!”, já dizia Moraes Moreira.
Também, com o argumento de que o Centro de Salvador ficou pequeno, desviaram a folia para bairros nobres, mas na verdade sabe-se que a pressão dos hotéis foi um fator decisivo, já que é na orla marítima que se concentra a grande rede hoteleira.
Cantores/empresários divulgam com estardalhaço a presença durante os festejos de artistas e personalidades nacionais e internacionais, como se o carnaval baiano precisasse desse link.
As TV´s mostram o carnaval da beleza branca e de olhos verdes. A beleza importada. As câmeras, quando é pra mostrar o povão, faz o registro via aérea. Perigoso aparecer na tela a nossa realidade tão de perto, não é? Pode não dar ibope!
Nessa festa o povo que era a atração principal, hoje foi relegado a coadjuvante e sem cachê. Muito pelo contrário, é exigido um pagamento para poder participar de um carnaval que foi feito por ele e para ele. O povo perdeu o direito de arena. Ou melhor, tiraram-lhe esse direito adquirido. Roubaram-lhe a fantasia!
Os Blocos, que foram criados sem cordas, hoje ostentam a definição de ser (como diz a propaganda de um deles), “o metro quadrado mais bonito da avenida”. Isso tem nome: Segregação social e racial! Para sair em uma dessas entidades, cujos cantores e bandas já são destaques nacionais, é exigida um pagamento em torno de dois salários mínimos... Ai daquele que tiver seu domicílio em bairros que não sejam nobres... Se for negro, ou sai em algum do terceiro escalão ou então em Blocos Afros.
Daqui a algum tempo vão cobrar para você respirar o “ar do carnaval”. Pensando nisso eu já estou guardando algumas garrafas vazias na área de serviço. Guardem as suas também, pois com casco será mais barato.
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(*) Blogueiro, economista, saxofonista e Paroquiano

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